HISTÓRIA REGIONAL - RO

Casa de Rondon: nossa história jogada ao lixo 

por Jesica Labajos

Patrimônio esquecido
Atual estado do nosso patrimônio
“Impões grandes asas, oh Glória. No belo de rijas nascentes. No marco registro da história. Casa de Rondon, patrimônio luzente.”
Esse é um pequeno trecho do Hino do município de Vilhena, letra feita por Adailton de Souza Medeiros. A letra do hino nos faz acreditar que a Casa de Rondon seria um dos maiores marcos que representaria nosso município e, portanto, merecedor do zelo e cuidado de toda a população e das autoridades.
Já não se sabe ao certo quantas matérias, vídeos, documentários, artigos e trabalhos universitários foram realizados sobre o estado deplorável em que se encontra o museu de Vilhena, conhecido como a “Casa de Rondon”.
Com a proximidade do ano eleitoral, várias autoridades já começaram a soltar suas promessas de recuperação de uma das memórias culturais que outrora foi o ponto turístico mais importante do município de Vilhena.
Completamente destruído pelo tempo e pelos vândalos
Cupins tomam conta da casa
História da Casa de Rondon
Durante a terceira expedição à Amazônia, no ano de 1909, o Marechal Cândido Rondon recebeu a missão para estabelecer uma ligação entre os Estados do Rio de Janeiro e Acre. Em 12 de outubro de 1911 inaugurou a estação telegráfica de Vilhena. Segundo informações, Rondon não permaneceu na cidade, seu propósito era seguir instalando postos e deixou uma equipe responsável pelo posto telegráfico.
Em 1913 Rondon, ao colocar índios Nhambiquaras, históricos inimigos dos Cinta-Largas, para trabalhar no posto telegráfico, despertou a ira dos índios, que revidaram com a invasão e morte de um dos telegrafistas. No melhor estilo Cinta-Larga de demonstrar que não considera o inimigo como um igual, os índios devoraram o rapaz após a morte. Rondon foi atingido por uma flecha envenenada pelos índios, Salvo pela bandoleira de couro de sua espingarda, ordenou a seus comandados que não reagissem, demonstrando seu lema: “Morrer, se preciso for. Matar, nunca”.
Até a década de 60, os documentos continuaram no local, depois foram encaminhados para as cidades do Rio de Janeiro e Cuiabá. O posto telegráfico ficou abandonado até meados de 1970, somente com os equipamentos. A recuperação se deu em 1982, na tentativa de recuperar a memória do espaço físico que era intitulado como “Casa de Rondon”. Naquele mesmo espaço funcionava um Museu Municipal Marciano Zonoecê, que era a casa histórica e um zoológico, o local tornou-se um dos principais pontos de recreação e entretenimento das famílias vilhenenses. A 500 metros do museu existia um cemitério indígena da tribo Nhambiquaras, onde haviam sido enterradas cerca de 100 pessoas, porém era possível identificar apenas 18. Hoje o cemitério é coberto pela soja, plantada por agricultores, alimento que consumimos até hoje.
A região onde está a Casa de Rondon compreende o berço do núcleo urbano de Vilhena. Hoje, somente existe uma casinha caindo aos pedaços, telhado destruído, local sujo, coberto pelo mato sendo dominado pelos cupins, que não lembra nada um museu e sim um simples barraco abandonado.
Lembranças
Vilhenenses que chegaram a conhecer o ponto turístico, quando ainda funcionava lamentam o fato do local estar em estado de abandono.
“É uma tristeza ver que uma parte da história de Vilhena se apagou” diz Valdir Uecker, conhecido como Alemão proprietário da TV Som.
Alemão chegou a Vilhena com apenas 23 anos e lembra que o museu era o ponto de descontração da galera nos finais de semana.
Algumas recordações nos fazem lembrar que somente no ano de 2005, durante três vezes foram mencionadas sobre a tal reforma, que primeiramente seria com recursos do Branco do Brasil e logo depois com recursos de uma emenda ao Orçamento Geral da União.
A casa fechou há aproximadamente 15 anos, quando o prefeito do município ainda era o madeireiro Ademar Suckel. Mas no início do primeiro mandato do ex-prefeito Melki Donadon, o prefeito colocou uma família para cuidar da casa que continuou sendo visitada pelos turistas.
 

Entrave burocrático
Em setembro deste ano, o Secretário de Turismo do Estado Júlio Olivar, visitou o museu e pôde constatar o verdadeiro estado de abandono do local. Julio viu parte da memória histórica e da verdadeira identidade cultural do povo do Cone Sul acabada, afirmando que existe um novo projeto que reconstruirá a Casa de Rondon.
Em contato com o secretário de cultura, Wellington Ferreira, ele nos informou que a prefeitura, através da secretaria de obras, realizou há pouco tempo uma limpeza nos redores da casa, porém com o tempo chuvoso, o mato já está crescendo novamente.
Wellington também explica que a prefeitura não pode aplicar nenhum recurso no local, porque a área pertence à aeronáutica e o município está aguardando um posicionamento quanto a União. No IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, já consta que a área é tombamento do município do Vilhena. Só que a prefeitura ainda espera a decisão da aeronáutica em passar a área para o município, ou para a União ou para o Estado.
Quanto ao Zoológico que existia no local, o secretário afirma que no momento não existe nenhum projeto para a reconstrução de um novo zoológico. Pois exerce toda uma questão ambiental, animais, entre outros cuidados que necessitam ser bem elaborados.
Segundo o Tenente Camilo, representante da aeronáutica, o processo para a transferência da área para o município já está em andamento há dois anos. Porém ele afirma que já está decidido, a área será do município.
Enquanto isso nosso querido patrimônio vai se deteriorando com a inclemência do tempo.
Fotos mostram o atual estado do patrimônio que era para ser nosso maior ponto turístico.
Fruto do descaso
Família vive como na época de Rondon: sem luz e saneamento é o acervo vivo, reflexo da negligência dos governantes.
Aos fundos do museu, reside há mais de 16 anos uma família que presenciou o triste desfecho da Casa de Rondon.  Quando Maria Lourdes Oliveira, 43, seu esposo e suas duas filhas, ganharam do prefeito Melki Donadon o local para morarem e ajudarem a cuidar do patrimônio, providenciando uma verba para sua manutenção, o museu ainda funcionava e ainda existiam alguns animais no zoológico. Após o fechamento do museu, eles perderam o benefício, mas ficaram morando lá, até hoje.
Com o tempo o ponto turístico foi ficando abandonado e os animais foram levados do zoológico, logo após o Governo do Estado levou todo o restante dos equipamentos e apetrechos que existiam no museu para a capital do Estado, antes que os vândalos terminassem de destruir o pouco que restava.
Maria conta que sempre colocavam cadeado no portão, mas era em vão, os vândalos quebravam tudo, praticamente todas as noites eles entravam no local e destruíam o pouco que existia.
A moradora desabafa que, com a chegada da aeronáutica, as coisas ficaram mais calmas, até mesmo a segurança para a família dela melhorou.
Durante a entrevista com o Jornal Folha de Vilhena, ela nos revela que nunca existiu energia no local. “Moramos aqui ha 16 anos, nunca teve energia, agora que meu marido comprou um motorzinho, mas é a gasolina e gasta muito. Então ligamos só à noite, rapidinho, antes de dormir”, confessa Maria.
A emblemática situação nos faz enxergar que isso seria um reflexo do descaso, reflexo de como demos as costas a este patrimônio. A família reside no local, como se estivesse presa ao passado, tal como viviam os primeiros habitantes, sem luz, sem saneamento, sem água. Parece que o tempo parou ali. Tão perto da cidade, e ao mesmo tempo, tão longe de tudo. À noite no local é escuridão total, mas com a esperança de um futuro melhor, Maria e sua filha mais nova, enfrentam o medo, escuridão e o silêncio da noite e caminham todos os dias até a Escola Estadual Maria Arlete Toledo para concluírem os estudos.
Na época da seca, piora tudo. A família sempre fica sem água, sendo necessário procurar a prefeitura para abastecer a caixa d’água. Quando a prefeitura não vai, segundo a moradora, às vezes demoram mais de 30 dias. Maria e seu esposo se deslocam de moto até a cidade para buscar água em um galão.
Apesar do total abandono, a família de dona Maria busca manter o local limpo ao redor da casa. As jaulas onde abrigavam os macacos, pássaros e outros animais hoje servem de despensa e horta. Porém, o mato com mais de dois metros de altura consegue tomar conta do espaço.


Esperança
A sociedade continua na esperança de que algum dia seja restaurada a cultura de Vilhena.
Um marco histórico que não deveria ter sido abandonado, nem ao menos esquecido pelas autoridades, pois foi ali que se iniciou toda a história de nosso município. Se não cuidamos do nosso passado, qual será a nossa identidade no futuro?
Texto e Fotos: Jesica Labajos
Fonte: Folha de Vilhena

 

 

 

Em tempos de tristezas e saudades, o capítulo mais amargo da história de Rondônia

* Por Emanoel Gomes

Temos sofrido com a perda de algumas pessoas marcantes em nossa história atual, não consigo refletir em textos essas perdas, porém, elas me levaram para uma época triste de nossa história, onde também uma grande perda atingiu violentamente as pessoas em Porto Velho e região.
O dia em que nossa Estrada de Ferro Madeira Mamoré foi desativada. Ouvi muitos relatos, testemunhos e li algumas coisas que foram escritas por nossos historiadores, senti a necessidade de me expressar sobre esse momento incomum.
Nossa terra possui uma história marcada pela dor e sofrimento, chegar nesse chão, sempre foi um grande desafio. Rondônia ainda é uma das últimas fronteiras a ser desvendada, revelada e dissecada. Tudo está em movimento em construção. Muitas coisas ainda estão por serem feitas. O processo de ocupação mais eficiente, abrupto, ininterrupto, avassalador, na nossa história, ocorreu nos últimos quarenta anos, os grandes movimentos migratórios foram intensificados na década de setenta.
Organizações e Instituições foram inventadas, criadas numa tentativa governamental desastrada e desesperada para atender as famílias que chegavam sonhando com os quarenta e dois alqueires de terras mágicas, onde se plantando, tudo brotaria e frutificaria como nos contos de fadas.
O 5° BEC foi criado para oferecer condições de trafego para as pessoas que utilizariam as rodovias amazônicas. O período chuvoso praticamente destruía todas as estradas, quase não existia asfalto na região. A BR 364 foi asfaltada somente no início da década de oitenta, incrementando ainda mais o gigantesco movimento migratório.
Quando fiz a primeira viagem de Colorado do Oeste para Porto Velho em 1981, o trajeto de pouco mais de oitocentos quilômetros foi vencido após 32 horas de atolamentos em um ônibus apelidado de “Tatuzâo”, os mais maldosos o apelidaram de “Cata Corno” dadas as péssimas condições do transporte. Lembro que esse percurso hoje em dia é vencido em treze horas.
O 5° Batalhão de Engenharia e Construção prestou importantes serviços ao novo Estado que ia surgindo, também cometeu seus erros, um deles foi o de desativar e sucatear as máquinas e equipamentos da Estrada de Ferro Madeira Mamoré.
Infelizmente ninguém ousou questionar a ordem de desativação e posterior sucateamento da ferrovia que fazia pulsar a cidade de Porto Velho. Foi uma triste perda para o Brasil, a Amazônia, o Território de Rondônia e principalmente para Porto Velho.
O mundo estava perdendo um elemento histórico, resultante de um esforço humano sem precedentes. Um dos acontecimentos extraordinários que exaltou os homens os elevando as condições capazes de provocar os sentimentos mais profundos nos poetas, dramaturgos, músicos e literários em todos os cantos.
Ferrovia única, verdadeira epopéia que se confunde com as lendas e mitos tão presentes no imaginário regional da selva. Antes, a Amazônia cantada por seus belos e gigantescos rios, suas feras, seu clima, ganha um novo mito, homens sem rosto, nome, história. Homens pequeninos que em função de sonhos, desejos e devaneios buscaram o enriquecimento na mata escura, distante e profunda. Enfrentaram os mistérios sem fim de uma realidade monstruosa que não perdoou ninguém.
A morte foi, como nunca, o resultado liquido e certo, o sofrimento e agonia foi a mais triste realidade dos que ousaram beber água desses rios que nos cercam e alimentam. O retorno com a riqueza sonhada não ocorreu e as lembranças da vida anterior, passado distante europeu, asiático, caribenho, era o único alento diante da triste realidade equatorial. Os homens pequeninos em função de tamanho enfrentamento tornaram – se gigantes personagens desse singular evento que foi a construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré.
Mas a história nunca para e um tempero a mais surgiu no horizonte da dramática ferrovia, seu fim estava decidido, homens pequeninos, bem menores que aqueles simplórios operários que a construíram, entram em cena, uniformizados, e decidem em gabinetes ritmados por pobres marchinhas decadentes, desativar a ferrovia.
Foi uma das cenas mais tristes de toda a nossa história, ocorreu em Porto Velho em 10 de julho de 1972, quando foi materializada a infame ordem de desativação da Estrada de Ferro Madeira Mamoré.
Era um dia diferente, como se as pessoas estivessem aguardando a ordem de execução de um parente. Era um dia sem cor, a cidade esmorecida, triste, melancólica e impotente. Homens, mulheres e crianças foram se aproximando e viram reunidas no pátio todas as locomotivas com aquela cor negra com riscos que mais pareciam cicatrizes da grande empreitada, os detalhes em branco e vermelho, mais do que nunca, estavam ressaltados. Elas imponentes pareciam ser compostas por pedaços de pessoas, eram: Barbadianos, Antilhanos, Gregos, Italianos, Alemães, Bolivianos etc.
Uma despedida fúnebre foi organizada onde todas as máquinas efetuariam o último, longo e desesperado apito.
Carol Van Denny, sua família é oriunda da Guiana Inglesa, trabalhou a vida inteira ocupando várias funções na Madeira Mamoré, hoje aposentado, lembra com tristeza o dia da desativação da Madeira Mamoré
Centenas de pessoas se reuniram no pátio da Estrada de Ferro em Porto Velho, em meio à profunda tristeza, para assistirem a mais um capítulo de dor e angústia ligado à ferrovia que por décadas dera significado e importância a todos que viviam aqui. OS MILITARES ESTAVAM AMPUTANDO UMA CIDADE INTEIRA e não se davam conta, pois a ordem burra não foi contestada e as pessoas viram as locomotivas, peças, equipamentos, vagões, trilhos e estações inteiras serem jogadas no abismo sem fim da história.
Peças que lembram à época da revolução industrial foram transformadas em sucatas, cortadas e vendidas para o ferro velho, como denunciou Manoel Rodrigues Ferreira no livro a Ferrovia do Diabo.
As pessoas viveram um daqueles momentos onde o tempo, espaço e sentimentos se entrelaçam e vida e morte se tornam íntimos, a vida contada por apitos se acabava, as gerações futuras não viveriam o compasso marcado pelo chegar e sair das velhas locomotivas, crianças não conviveriam mais com os longos ruídos dos apitos em suas lembranças.
Uma coisa que era tudo para nossa cidade simplesmente deixava de existir, muitos não sabiam, mais estavam também desaparecendo naquele triste momento.

A cidade perdia ali parte significativa de sua existência, porém, a Madeira Mamoré, se transformou em um mito amazônico e os mitos são eternos. Por mais que não queiram, ela será eternamente um ingrediente do povo amazônico, “desse rincão, que com orgulho exaltaremos enquanto nos palpita o coração”.
Ordem de militar deve ser cumprida, porém ordem burra, seja de quem for, deve ser questionada, o que, infelizmente, não ocorreu. (Emanoel Gomes)



RONDÔNIA E FENÔMENO MIGRATÓRIO- SÉRIE 30 ANOS


Por Francisco Matias(*)
1.Ao completar trinta anos de existência como unidade federada brasileira, o estado de Rondônia desponta como um dos mais importantes do país e da megarregião Norte. Elevado em 2009 à condição de Estado Bioceânico, depois de vencer a disputa com o Acre, Rondônia e seu povo ainda precisam encontrar as bases históricas de sua existência. A sua razão de ser. Não basta apenas se dizer rondoniense. Tem que ter, e demonstrar ter, amor por Rondônia. Um amor como os acrianos têm pelo Acre, uma região migracionada, que viveu isolada por mais tempo que Rondônia, cujo povo, nascido ou não, tem e demonstra ter, um grande amor telúrico. Muitas vezes, quando se fala em amor por Rondônia, surge o sectarismo embutido no esquecimento de que Rondônia é a região da Amazônia que recebeu os maiores índices de migração interregional, nacional e, provavelmente, estrangeira.
2.No início do século XX, duas obras épicas contribuíram para formar os primeiros núcleos de povoamento urbano das terras rondonienses: as Estações Telegráficas implantadas pela Comissão Rondon, e as estações ferroviárias da Madeira-Mamoré. Em meados daquele século, a construção da BR 029, hoje BR 364, e, posteriormente, a implantação do ciclo da Agricultura, propiciaram o surgimentos de outros núcleos populacionais que se transformaram em cidades. Portanto, todo o processo de edificação de Rondônia, de povoamento e de construção de sua sociedade, está diretamente relacionado aos diversos ciclos migratórios. É, portanto, uma sociedade cosmopolita, multifacetada histórica e culturalmente, cuja maioria aportou em Rondônia depois de vivenciar a história de suas terras natais e, até mesmo, de outros estados e países, até fixar-se nestas terras.
3.Só para ter uma idéia, vamos retornar ao começo do século XX, ano de 1918, quando a direção da Madeira-Mamoré decidiu fazer um censo nas principais áreas de povoamento urbano ao longo da ferrovia. Em Guajará Mirim, havia 413 habitantes, segundo informações do major Guilherme Bessa, delegado de polícia local. Em Abunã viviam 637 pessoas. Destas, 424 eram homens e 213 mulheres. 145 eram estrangeiros, entre portugueses, barbadianos, bolivianos, espanhóis, gregos, austríacos, russos, norte-americanos, peruanos, franceses, italianos, turcos, chineses, belgas, irlandeses, sírios, venezuelanos e marroquinos.Vila Murtinho, possuía 156 habitantes, sendo 114 homens e 42 mulheres. Destes, 81 eram estrangeiros. Dentre os brasileiros, a maioria era cearense, os demais eram mato-grossenses, potiguares, maranhenses, alagoanos, baianos, pernambucanos, fluminenses e sergipanos. Os estrangeiros eram gregos procedentes da Ilha de Chipre, de Creta e de Rhodes. Havia tobaguenses, colombianos, italianos, guianenses, chineses, sírios, judeus de Jerusalém, peruanos e norte-americanos.
4.Este censo, ainda que sem dados técnicos, revela que a fixação de imigrantes nacionais e estrangeiros em Rondônia tem sido o cerne de seu povoamento, da formação econômica e sociopolítica. E, atualmente, em pleno século XXI, não tem sido diferente. A sociedade rondoniense é composta por descendentes dos antigos imigrantes, pioneiros de épocas tortuosas, heróis de suas próprias vidas, e dos atuais pioneiros que, nas décadas de 1950, 1960, 1970, 1980, 1990, 2000 e 2010, e seus filhos e netos, constroem esta Rondônia de trinta anos como estado da federação brasileira, da megarregião Norte e da Amazônia.
5.Portanto, seria muito saudável se os líderes políticos, classistas, partidários, acadêmicos, se unissem em defesa de um só propósito: o pleno conhecimento de Rondônia e do amor superior por esta terra. Amor por Rondônia. É o lema. Quem sabe, se começaria da forjar líderes compromissados com o desenvolvimento e com o futuro de Rondônia, distanciados das Termópilas da vida. Talvez com amor por Rondônia, esta juventude que vem aí atrás de nós, ávida por conhecimento e que vai um dia desses assumir o comando do Estado, adquira algo mais do que vontade e vitalidade para crescer. Adquira maior respeito, mais carinho, mais consideração por esta terra palmilhada pelo abnegado e intrépido sertanista Cândido Mariano da Silva Rondon, patrono do Estado, cujos seguidores de hoje, têm o dever de zelar, amar e preparar para o futuro. Basta querer.
 
Historiador e analista político(*)





A MADEIRA-MAMORÉ E A I GUERRA MUNDIAL-SÉRIE 30 ANOS


Por Francisco Matias(*)
1.A primeira Guerra Mundial teve início em 1914 e terminou no final de 1918. Nessa época, a Amazônia brasileira ainda era a maior produtora de borracha silvestre do mundo, apesar dos avanços da borracha cultivada no sudeste asiático pelos mercados europeus e norte-americano. O governo brasileiro, as autoridades da Amazônia e do Mato Grosso, e os seringalistas, pareciam não dar muita importância aos efeitos do plantio de seringueiras nas colônias inglesas, francesas, holandesas, belgas e norte-americanas, a exemplo da Malásia, do Ceilão, de Hong Kong, do Vietnam e das Filipinas. De certo modo, o Brasil desprezou os alertas publicados pela Indian Rubber World, a as decisões do Wortrade Board e do New-York Latex, que fixavam o preço da borracha e determinavam o câmbio no mercado internacional. Mesmo assim, a Amazônia exportou nesse ano 37 mil toneladas de borracha. Neste cenário extrativo, produtivo e exportador, a Madeira-Mamoré, com seu sistema intermodal de transporte rodoviário, ferroviário, hidroviário e marítimo, teve importante papel na economia amazônica.
2.Foi por isso que a empresa decidiu aumentar seu quadro de funcionários e importar mais mão de obra estrangeira, entre1914 e 1918, notadamente trabalhadores antilhanos, procedentes de Barbados, Santa Lúcia, Trinidad-Tobago e Nova Granada, todos súditos ingleses que chegavam a Porto Velho e eram locados ao longo da ferrovia até Guajará Mirim. Enquanto isso, a nível nacional, o governo federal buscava uma maneira de entrar na guerra, alistando brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil de nacionalidade inglesa, francesa ou norte-americana. Desse modo, no início de agosto de 1918, o Congresso Nacional aprovou o projeto nº 085/1918, de autoria do deputado federal Nicanor do Nascimento,RJ, deliberando sobre a mobilização de estrangeiros no Brasil súditos das nações aliadas, no caso de haver mobilização de tropas brasileiras.
3.Foi o que ocorreu. O Brasil despachou para o campo de guerra europeu os vapores Bahia e Rio Grande do Sul, os destroyers Parahyba, Rio Grande do Norte e Santa Catarina, o cruzador Belmont e o rebocador Laurindo Pita. Estava dado o sinal para o alistamento de voluntários estrangeiros. É aí que entram a Madeira-Mamoré e os negros antilhanos. Súditos ingleses, dispostos a participar da guerra, 48 funcionários da empresa Madeira-Mamoré, denominados genericamente barbadianos, partiram para a guerra no dia 01 de setembro de 1918. Foram embarcados no vapor Tupy, com destino a Londres para serem incorporados aos batalhões negros que combatiam os alemães e seus aliados. Por esta razão histórica, esta coluna resolveu trazer a lume esta parte da história regional, talvez desconhecida para muitos estudiosos e professores e, até, por familiares destes homens, negros antilhanos, que, partindo de Porto Velho, da Madeira-Mamoré, foram servir ao Reino Unido, como cidadãos ingleses, na I Guerra Mundial.
4.Eis os nomes dos homens que embarcaram no vapor Tupy, no porto velho do rio Madeira, cidade de Porto Velho, AM, quando da primeira formação do atual Estado de Rondônia: Sidney Willians, J. Harrison, Donald Prescott, Franklin Clovis, Sinclair Clement, Norman Phllipps, James Edward, Sam Brown, Mac Donald Francis, Stanley Lewis, Alfred Archibald Jones, Gerald Odion, Milton Messiah Murray, Leonard Trotman, Arthur Nathanael Niles, Charles Seakless, Ruben Phillipps, Preston Springer, Eleazar Rock, Lionel Silvester, Hollosced Stacey Granble, Thomas Bradford, James Hicks, Joseph Mings, Charles Kirton, Willian Chesterfield, Willock James Jordan, George Lewis Moore, Cecil Greennidge, Henry Blebby Phillipps, Ruppert Burnet, Westerman Alonza Levine, Clarence Gardner Fritsgerald, Cecil Oliveira, Joseph Theophilus Camford, James Lorenzo Ashby, Motley Howard Phillipps, Eric Bourn, Isley Bowen, Arnold Fite Roberts, Peter Dubon, Adolpho Scotty, Wibbert Cumberbaten, Isaac Springer, Eustage Holder, e Herman Hoppin.
Portanto, se a Madeira-Mamoré transportou borracha para a I Guerra Mundial, como de fato ocorreu, também liberou seus funcionários para participarem do conflito. E lá se vão 94 anos de História, revelados aqui, nesta coluna.
Historiador e analista político(*)





Madeira-Mamoré: Ferrovia do Diabo


 
Hiram Reis e Silva,  
Se a navegação através do Madeira e do Amazonas parecia ser de necessidade vital para o desenvolvimento da Bolívia, com a Guerra do Paraguai surgia também para o Brasil, como de importância política e estratégica capital. (Manoel Rodrigues Ferreira)
Há mais de cento e sessenta anos a questão da navegação do Madeira-Mamoré mobiliza estadistas e desafia a argúcia de engenheiros. Com a construção das Hidrelétricas do Rio Madeira diversas cachoeiras, corredeiras e mesmo saltos ficarão submersos bastando se levar avante a construção das eclusas, já planejadas, para que este sonho, acalentado há décadas, seja alcançado da maneira mais inteligente. Não se pode construir Hidrelétricas, na Amazônia, sem se procurar viabilizar o transporte fluvial, através da construção de eclusas, fundamental nesta terra das águas.
-Guerra do Paraguai
A Guerra do Paraguai tornou evidente a necessidade de se viabilizar a navegação do Rio Madeira ligando o Mato Grosso ao litoral. Tavares Bastos, em 1866, comente:
A importação e a exportação da Bolívia fazem-se atualmente pelos Portos do Pacífico, e principalmente pelo de Arica, na República do Peru. (...) A despeito das cachoeiras do Madeira, o comércio da Bolívia pelo Amazonas, que há quatro anos antes não existia ou era representado por um algarismo quase nulo, sobe constantemente.
Em relação aos Portos do Pacífico e a saída pelo Rio Paraguai afirma:
Os bolivianos, porém, não encontrarão nessas direções vantagens iguais às que oferece o Amazonas. Introduzido o vapor no Madeira o que depende somente da livre navegação do Amazonas, porque não faltara empresário estrangeiro que o tente logo; e rasgada a estrada marginal das cachoeiras que deve ligar a navegação do Madeira à do Mamoré, não resta dúvida de que os melhoramentos introduzidos nas vias de comunicação para o Pacífico ou Paraguai não arrebatarão da linha do Amazonas aquilo que há de ser o seu tributário forçado, isto é, o comércio do Norte e do Centro da Bolívia.
Tavares Bastos, antevendo o futuro, diz:
Mas não é lícito supor que a livre navegação permitiria a algum ousado ianque ou a um corajoso bretão lançar um pequeno vapor, no Mamoré, outro no Madeira, e construir a estrada que deve evitar as cachoeiras?
-Tratado de Ayacucho – 27.03.1867
O Tratado de Amizade, Limites, Navegação, Comércio e Extradição celebrado na cidade de Ayacucho, acordado entre o Brasil e a Bolívia, assim se referia às questões de comércio e navegação:
Artigo 7°-Sua Majestade o Imperador do Brasil permite, como concessão especial, que sejam livres para o comércio e navegação mercante da República da Bolívia as águas dos rios navegáveis, que, correndo pelo território brasileiro, vão desembocar no Oceano. (...)
Artigo 8°-A navegação do Madeira, da Cachoeira de Santo Antônio para cima, só será permitida às duas altas partes contratantes (Brasil e Bolívia), ainda quando o Brasil abra o dito rio até esse ponto a terceiras nações. Todavia os súditos destas terceiras nações gozarão da faculdade de carregar as mercadorias nas embarcações brasileiras e bolivianas.
Artigo 9°-O Brasil compromete-se desde já a conceder à Bolívia, nas mesmas condições de polícia e de portagem, impostos aos nacionais e salvos os direitos do fisco, o uso de qualquer estrada que venha a abrir, desde a primeira cachoeira, na margem direita do Rio Mamoré, até a de Santo Antônio, no Rio Madeira, a fim de que possam os cidadãos da República aproveitar para o transporte de pessoas e mercadorias, os meios que oferecer a navegação brasileira, abaixo da referida Cachoeira de Santo Antônio.
-Engenheiros Brasileiros
Infelizmente a mentalidade tacanha de nossos estadistas não reconhecia a capacidade empreendedora dos engenheiros brasileiros capazes de construir ferrovias melhores e a menor custo do que os “famosos” engenheiros europeus. Foi necessário um estrangeiro mostrar isso para que quase oito meses depois o tema repercutisse no país.
Quantas estão sendo construídas com o capital estrangeiro, e quantas com capital nacional, mostrando que estas últimas construídas por engenheiros brasileiros custaram menos do que as inglesas, por metade. (James W. Wells, Conferência na Praça do Comércio, Londres, 16.03.1887)
A indignação dos engenheiros brasileiros, quase oito meses depois do pronunciamento de Wells, foi reportada na “Revista de Estradas de Ferro”, editada no Rio de Janeiro pelo Engenheiro Francisco Picanço, no dia 31.10.1887, sob o título “Custo das estradas de Ferro no Brasil”. O artigo comprovava que as ferrovias construídas por engenheiros brasileiros custavam menos da metade do que as construídas pelos engenheiros ingleses.
-“Engenheiros Keller” – 10.10.1867
Vamos voltar ao ano de 1867, sete meses depois da assinatura do Tratado de Ayacucho. O Ministro da Agricultura, mostrando o quanto o complexo de inferioridade estava arraigado no alto escalão do governo, determinou aos engenheiros alemães José e Francisco Keller que estudassem as melhores formas de se estabelecer uma ligação do Rio Madeira ao Rio Mamoré, contornando as cachoeiras, considerando dentre elas a construção de uma ferrovia.
Os Keller propuseram três soluções, depois de percorrer a região durante apenas quatro meses e três dias, tempo absolutamente insuficiente para embasá-las. A forma como essas alternativas foram apresentadas, sem reconhecimento detalhado dos diversos locais, poderia ter sido tirada de qualquer manual de engenharia sem a necessidade de se visitar o local. Os alemães não tiveram tempo de esboçar qualquer tipo de projeto e suas estimativas de custo não tinham qualquer fundamento técnico. Em relação à ferrovia eles simplesmente confessaram que não havia visto o terreno em que ela iria percorrer. A missão dos Keller foi simplesmente uma piada de mau gosto. Livro dos Keller:
Sugestões dos Keller
1°)Construção de planos inclinados, pelos quais os navios pudessem vencer os fortes declives.
Nos planos inclinados ou mortonas, as embarcações com a carga se colocam num carro de ferro, correndo sobre trilhos, que continuam mesmo por baixo d’água, até a profundidade necessária.
2°)Abertura de um canal à direita das cachoeiras.
A abertura de um canal de navegação na margem direita, de um comprimento de 50 léguas mais ou menos praticável para pequenos rebocadores a hélice, encontra no forte declive geral dessa parte do rio uma dificuldade considerável. Tornar-se-ia indispensável a construção de comportas, porque a velocidade das enchentes seria tamanha que poderia impedir a navegação, tornando-se ao mesmo tempo a conservação do canal dificílima.
3°)Construção de uma Estrada de Ferro de aproximadamente 50 léguas de extensão.
Este traço não seguiria a linha reta entre Santo Antônio e Guajará-Mirim por ser o nivelamento de um traço nesta direção forçosamente muito defeituoso e inteiramente impróprio pra uma Estrada, por causa das ramificações da Serra Geral (Serra dos Parecis), que se estendem até a margem direita do rio, porém, nem assim seria preciso seguir em todos os pontos as curvas do rio, podendo-se atalhar diferentes de entre elas.
-Livro
O livro “Desafiando o Rio–Mar – Descendo o Solimões” está sendo comercializado, em Porto Alegre, na Livraria EDIPUCRS – PUCRS, na rede da Livraria Cultura (http://www.livrariacultura.com.br) e na Livraria Dinamic – Colégio Militar de Porto Alegre.
Para visualizar, parcialmente, o livro acesse o link:
Fonte: FERREIRA, Manoel Rodrigues – A Ferrovia do Diabo – Brasil – Edições 

A LENDÁRIA MADEIRA MAMORÉ

*pOR ANÍSIO GORAYEB

Construída no período de 1907 a 1912, a Estrada de Ferro Madeira Mamoré teve sua historia sempre envolvida em lendas e mistérios, principalmente após a publicação do livro “A ferrovia do Diabo” de autoria de Manoel Rodrigues Ferreira em 1959.
Antes porem, houve duas tentativas de se construir uma ferrovia ligando a região central do continente sul americano ao Oceano Atlântico. A concretização deste pleito iniciou em 1903, com a assinatura do Tratado de Petrópolis, onde a Bolívia cedia ao Brasil as terras que compõe o estado do Acre, desde que o Brasil construísse a ferrovia.
Desembarque de operários vindo de diversos países para trabalhar na EFMM em 1909. (Foto: Danna Merril)
O milionário americano Percival Farquar, dono de uma construtora que já administrava algumas ferrovias no Brasil, iniciou a epopéia da construção da lendária Madeira Mamoré. Esta monumental obra de 366 quilômetros foi construída por trabalhadores vindos de várias partes do mundo: americanos, turcos, alemães, chineses, indianos, italianos, japoneses, russos, suecos, irlandeses, franceses, barbadianos, espanhóis, portugueses e muitos outros.
 
 Autoridades em viagem de inauguração de um trecho da EFMM em 1910. Nota-se a elegância dos ilustres senhores. (Foto: Danna Merril)

 As adversidades eram muitas a começar pela própria natureza com uma selva desconhecida e cheia de mistérios e índios. Porem as doenças tropicais, exclusivas da região, foi o maior adversário: febre amarela, impaludismo, beribéri, e outras infecções que tiraram a vida de milhares de operários.
 
Trecho da ferrovia destruído pelas chuvas em 1910. A natureza mostrando sua força. (Foto: Danna Merril)
 Em 1908 foi construído o Hospital da Candelária, o maior centro especializado em doenças tropicais do mundo. O médico sanitarista Osvaldo Cruz esteve visitando as obras da ferrovia em 1910 e ficou muito impressionado com o hospital, que teve registrado durante o período de janeiro de 1909 a dezembro de 1912 mais de 145.000 pacientes com diversos tipos de doenças.
 
Um paciente índio sentado a frente de médicos e enfermeiras do Hospital da Candelária. (Foto: Danna Merril)
O maior problema ocorria quando os mesmos eram internados com impaludismo. Caso conseguisse sobreviver, após o tratamento se tornavam homens debilitados e sem condições de retornar ao trabalho. Era hora de convocar novos trabalhadores mundo afora.
Por esta razão estima-se que no período da construção passaram pela obra aproximadamente 20.000 trabalhadores de dezenas de nacionalidades.
A maior de todas as lendas diz que cada dormente representa uma vida, o que é um grande exagero, pois no Hospital da Candelária foram registrados 1.552 óbitos. Estes somados aos que morreram antes da construção do hospital e fora dele, se aproximam a um total de 6.000 óbitos.
Os dormentes fixados sob os trilhos da EFMM de Porto Velho até Guajará Mirim perfazem um total de 170.000, que é bem diferente do numero de óbitos. Até porque se fossem tantas mortes seria como dizimar uma população inteira.
CURIOSIDADES
O idioma utilizado no complexo da EFMM era o inglês, falava-se pouco português, tanto que o primeiro jornal impresso em Porto Velho não era em português e sim em inglês: o “The Porto Velho Times”
Início da cidade de Porto Velho em 1910. Aqui era feito o desembarque de todo o material e equipamento utilizado na construção da EFMM. (Foto: Danna Merril)
O tratado era para construir uma ferrovia iniciando no pequeno povoado de Santo Antonio, pois não existia Porto Velho. Os navios não tinham como atracar em Santo Antonio devido as condições do rio, por isso o desembarque teve que ser transferido para um pequeno porto. Neste porto iniciou a cidade de Porto Velho.
Como a ferrovia era administrada pelos americanos, o superintendente de Porto Velho (cargo equivalente a prefeito) não tinha autoridade sobre o complexo da EFMM, por isso foi criada a Rua Divisória, que dividia o complexo do resto da cidade. Atualmente no local é a Rua Presidente Dutra.
Em 1931 a EFMM foi nacionalizada e seu primeiro diretor brasileiro foi o Coronel Aluizio Ferreira e desde então a Rua Divisória foi extinta. Aluizio Ferreira foi nomeado pelo Presidente Getulio Vargas, por isso tinha mais influência política que o superintendente da cidade de Porto Velho, que era nomeado pelo governador do Amazonas.
A EFMM foi desativada em 1972 e nestes 60 anos de atividades enfrentou algumas dificuldades, mas teve também muitas glórias. Foi muito importante para a região, pois era a única ligação entre os dois únicos municípios. Na época dos seringais de borracha milhares de toneladas foram transportadas sobre os trilhos desta importante ferrovia.

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Anísio Gorayeb Filho é colaborador do Gente de Opinião, natural de Porto Velho, economista, jornalista (Reg. No. 1058/DRT-RO), e funcionário publico. Apresenta programa nas rádios Transamazônica FM e Cultura FM, e o quadro “Historias da Nossa Terra” no programa VIVA PORTO VELHO, que vai ao ar todos os domingos às 12 (meio dia) pela Rede TV. E-mail: anisiogorayeb@hotmail.com

Trabalhadores que construíram a ferrovia do diabo

*por Emanoel Gomes

Boa parte da elite fundiária brasileira construiu sua riqueza tendo por base a mão-de-obra escrava negra, e, ainda hoje, faz de conta que não sabe ou não viu, desconhecendo sua importância, não atuando no sentido de fazer justiça junto aos milhares de problemas gerados por essa discriminação histórica.
Ao longo de toda a história do Brasil, os governos foram, e ainda são dirigidos em sua maioria, por pessoas que aplicam políticas geradoras de desigualdades sociais, concentrando as riquezas nas mãos dos detentores de grandes posses rurais, em detrimento de uma infinita maioria que carece de quase tudo.
As pessoas que ocupam os grandes cargos nos Governos representam uma tradição elitista e, acima de tudo, branca, não atuando de forma eficaz no sentido de amenizar os problemas gerados por quatrocentos anos de escravidão e mais de cem anos de racismo velado.

Engenheiros e operários da empresa May Jeckill and Randolph. Foto: Dana Merril. 1910.
Essa afirmativa é normalmente questionada por aqueles que estão no poder, mas podemos comprovar a ineficácia das políticas sociais no que diz respeito ao povo de origem africana.
Podemos citar vários exemplos de políticas incorretas, como o caso da cota para negros nas Universidades públicas, reconhecer que o povo de origem africana é incapaz de concorrer com o branco é mais uma forma de discriminação, é também tapar o sol com a peneira, não seria melhor reconhecer o fracasso da escola pública. A escola pública carente de qualidade atenta contra todos, não só contra o povo de origem africana, temos milhões de brancos pobres em condições de abandono total, é preciso uma política social compensatória para todos. A cota para negros alimenta o ódio e o racismo na medida em que um com notas baixas toma a vaga do outro que teve notas mais altas.
Sabemos e defendemos políticas que possam ajudar os mais pobres, somos contra qualquer política que divida, diminua, trate o outro como incapaz.

No Brasil todos, somos um poço Índio, Português e Negro, como definir cor em um povo tão miscigenado.
O resultado de tantas políticas compensatórias mal feitas são os bolsões de miséria espalhados nas periferias de todo o Estado Nacional, onde em meio aos seus habitantes, se destacam as populações empobrecidas.
A Ferrovia Madeira Mamoré foi concluída em 1912. Ficou com 364 quilômetros. Em 1922 recebeu mais dois quilômetros, totalizando 366. Por muito tempo foi o centro aglutinador de pessoas em nossa região, símbolo primeiro de nossa história, um grande mito fundador da Amazônia e, conseqüentemente, de Porto Velho, a atual Capital do Estado de Rondônia.

Devemos ter em nossas mentes e corações que entre os anos de 1872 e 1912, homens ferozes, destemidos, corajosos, em sua maioria sem rosto, nome e história, pois sobre eles, poucos sabemos, deram início a uma ferrovia. Não sabiam eles que, na verdade, estavam tocando o coração de várias gerações futuras, e, hoje, cidadãos de Porto Velho e Rondônia foram acolhidos em uma localidade erguida em meio ao desespero, dor, sofrimento, saudade, sonhos e esperanças de pessoas vindas de vários lugares do Brasil e do mundo, que há mais de cem anos se debateram contra uma selva desconhecida e perigosa, em busca de um mundo melhor.
Os trabalhadores viram de mais de quarenta países, eram gregos, indianos, chineses, árabes, portugueses, alemães, italianos, espanhóis, americanos e principalmente antilhanos.

A herança desses homens para todos os que aqui residem: o Estado de Rondônia.

Com as obras da ferrovia concluídas, as pessoas que habitavam os pequenos povoados amazônicos, que surgiram ao longo de seus trilhos, pressentiam que algo estava errado, e que infelizmente a grande mola econômica que dera impulso aos vários investimentos na região dava claros sinais de decadência.
A inexistência de uma política nacional e regional, preocupada com o controle de nossas fronteiras, com o combate ao contrabando de mudas, sementes e outros produtos, permitiu que os ingleses levassem, em 1876, de nossa região, milhares de mudas e sementes de Hevea brasiliensis, a seringueira. Planta que existia somente em território americano, propriedade biológica da nossa Amazônia e de todos os seus povos. No sudeste asiático, as mudas de seringueiras, foram cultivadas pelos ingleses que produziram com grande sucesso.
Os seringais, lá do outro lado do mundo, tão distantes de nossa região, passaram a produzir a goma elástica com mais eficiência, com melhores preços e facilidades para o transporte.

O estrago foi grande em nossa economia, a região, outrora rica e próspera, pelo menos para a elite local, passou a amargar crises e problemas, atingindo uma profunda decadência.
O mercado e o sistema capitalista, não possuem pátria, não se importando com as conseqüências terríveis sofridas pelas pessoas que habitam as regiões onde são provocadas as crises. Os grandes empreendimentos capitalistas mundiais procuraram as facilidades oferecidas pelos seringais Malaios que na época eram controlados pelos ingleses. O mais importante para esse regime econômico sempre foi o lucro e nada mais.
Na Amazônia ficou um povo sem perspectivas, e, em nossa região, uma estrada de Ferro sem motivações econômicas para seu perfeito funcionamento. Estrada única no mundo, com um nível de dificuldades humanas e financeiras em sua construção, jamais enfrentadas pelo homem em outra localidade.

Trabalhadores e engenheiros da Estrada de Ferro Madeira Mamoré. Foto Dana Merril. Na inauguração do trecho Porto Velho, Jaci Paraná.
Em meio a esse quadro, pessoas desencantadas em uma mistura de espanto, agonia e tristeza. De um momento de euforia e prosperidade ao desalento econômico, a prosperidade se foi rápido como uma chuva de verão.
Ao seu redor Porto Velho, o povoado que surgia, ia sentindo as influências das mudanças na economia, lentamente foi se acomodando com o apito, agora melancólico, do trem, seguindo seu ritmo, embalado pelo chacoalhar de seus vagões esquecidos.
Percival Farquar, que havia investido naquele projeto, antes tão promissor, percebeu o problema e tentou o mais rápido possível, se desfazer da ferrovia, acabando, mais tarde, por repassar a mesma para uma empresa Anglo- Canadense que já era concessionária da “Porto of Pará e Brasilian Railway” que eram, por sua vez, as maiores acionistas da Madeira Mamoré.

EMMANOEL GOMES DA SILVA É PROFESSOR, HISTORIADOR E MEMBRO DA ACADEMIA VILHENENSE DE LETRAS.